JOÃO SANTANA LOPES | Free Association

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THE SPACE

:: DESENCONTROS de João Santana Lopes

Na ilha de S. Miguel, nos Açores, o Sr. Vieira retira de uma caldeira um saco de maçarocas já cozidas pelo calor da terra. É um privilegiado. Trabalha num sítio mágico, quase bíblico, ali mesmo onde o interior e o exterior do planeta se tocam. Num acto que tem tanto de criador como de quotidiano, cozinha com a energia que vem de dentro os alimentos colhidos fora. Ele não está dentro nem fora, mas naquele lugar sem tempo onde o tempo se constrói na medida em que a existência transforma.

Em tempos chamei-lhe "Metáfora de um outro desencontro". É uma fotografia das traseiras de um pavilhão do antigo Hospital Júlio de Matos, em Lisboa. Todo o peso simbólico daquela instituição parece condensar-se neste caminho que termina com dois degraus que dão acesso a uma janela gradeada. Ao lado há uma porta, iluminada, mas não é aí que o caminho vai dar. Também poderíamos descrever a imagem em sentido inverso: Num hospital psiquiátrico há uma sala com duas janelas gradeadas. Se porventura não fossem gradeadas e não fossem janelas, mas portas, de uma delas seria possível aceder, descendo dois degraus, a um caminho que passa por entre as árvores do jardim.

Algures em Trás-os-Montes, junto a um caminho pedestre por entre montes e vales, num lugar absolutamente improvável, no meio do nada, aparecem à nossa esquerda duas sepulturas: crucifixos de granito, ornados com flores cuidadas e de cores vivas. Por detrás, um olheiro — uma espécie de pântano em forma de poça grande. O impacto daquele cenário é arrepiante para quem é apanhado de surpresa. Terão sido, certamente, duas pessoas que ali caíram e não conseguiram sair, tendo ficado lá enterradas. Não sendo possível resgatar os corpos para serem sepultados, aquele local foi transformado em campa improvisada. As cruzes, que materializam e permitem simbolizar aquelas mortes, assim como as vidas que nelas terminaram, tornam-se sustentáculos da elaboração possível desse desencontro traumático.

João Santana Lopes

Nascido em Setúbal em 1965, assim permanece. Habituado às lides fotográficas desde quase criança, foi mais tarde, enquanto estudante, na secção de fotografia da Associação Académica de Coimbra, que imergiu na magia da câmara escura. Desde então, a fotografia — enquanto linguagem de leitura e representação — a par da psicologia e da psicanálise — às quais profissionalmente se dedica — tem vindo a ocupar um papel central na sua aproximação ao interior do que lhe é exterior.

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