Por Vasco Santos
Com certa espécie de solidariedade lembro-me de ti, Amaral Dias,
psicanalista gato
branco à janela de muitos
prédios altos!
Tu foste o mais notável psicanalista desta terra tuga, o mais eufórico mestre.
Foste tu, na velocidade demente do teu voo que difundiste, como hermeneuta no expresso do ocidente, a psicanálise em Portugal, que deste a ver o latente no batente do real quotidiano.
Na Universidade, nos livros, na rádio, no jornal, na clínica, nas supervisões, nos cafés, (em Vilamoura!) Amaral Dias criou sempre a possibilidade do assombro.
E o importante não é o que se aprende. Mas com quem se aprende.
Foste tu, Carlos, que fizeste da Psicanálise uma revolução inquieta por estas terras. Que fizeste do seu ensino o arco e a flecha para novos insupeitos analistas. Ou ainda mais.
Tinhas uma intuição fulminante, luminosa. Percebias num instante a conjunção constante do paciente. Despenteavas.
Havia júbilo.
Dançavas para além de Freud, da estrita clínica, da mediania pobre da catequese.
E eras muito narcísico, imprevisível, a estuporar o nítido nulo da porta da frente. Eterno e breve.
Publiquei-te "Ascensão e queda dos toxicoterapeutas".
É o melhor livro português de pensamento psicanalítico que me lembro escrito na banalidade contemporânea destes mundos.
Livro publicado, ainda por cima, quando o autor se apaixonou pelo meu gato Jacques Tati.
A morte de CAD é uma perda enorme, científica e cultural.
E simbólica.
Depois dele que venha triunfante a algebrose e a normopatia.
Mas no destino desta perda lembraremos: somos apenas grãos de areia / que se agitam antes do sono.
E a alma humana é um abismo.
E tu, amigo, és um ponto cada vez mais vago no horizonte.
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