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Quem é a Maria do Carmo?

Todos somos a nossa circunstância, de onde venho, para onde vou … a família e o lugar onde se nasce tem, pelo menos para mim teve e ainda hoje tem, uma importância extraordinária. Nasci nos Açores, em São Miguel, Ponta Delgada, numa família liberal. Suponho que só me fui dando conta desse aspecto mais tarde, já adulta. Os meus pais eram um pouco fora do baralho, digamos assim, particularmente porque não tinham uma prática religiosa, o que nos Açores do fim dos anos 40 era uma marginalidade, e nós nunca fomos, nem muito nem pouco, condicionados nesse aspecto. Às vezes, conto histórias da minha infância aos meus sobrinhos e eles acham que são do século XIX, que eu nasci no século XIX, portanto os Açores no fim dos anos 40, era um lugar muito particular. É uma terra viva, está tudo vivo, está tudo a tremer, está tudo cheio de fogo e apesar de ser de uma família burguesa-urbana, tive um grande contacto com o meio rural e cresci no meio de histórias que me contavam as empregadas, as pessoas com quem convivia. Histórias acho eu, hoje vistas à distância, aparentemente violentas e cruéis para crianças. Às vezes, na brincadeira, digo que quando comecei a estudar a Klein senti-me, como é que eu hei-de dizer, como se tivesse chegado a um sítio que já conhecia. Portanto uma certa familiaridade, lá está, como analista, com aquilo que nós normalmente chamamos “os fantasmas muito primitivos”, havia um mundo fantasmático, muito rico. Sempre adorei histórias, sempre adorei ouvir histórias e penso que isso teve uma influência muito grande na minha vida. O começar a ler e escrever, por exemplo, é porque queria muito ler histórias, comecei muito cedo, fui muito precoce, sobretudo a ler. Acho que fui uma criança um bocado inquieta, mas o meu pai quando eu tinha 5 ou 6 anos ofereceu-me uma cadelinha e eu costumo dizer que aquela cadelinha que me acompanhou até mais ou menos aos meus 10 ou 11 anos, que foi quando morreu, foi o meu primeiro psicanalista (risos). Eu falava-lhe imenso e estava completamente convencida que ela me compreendia muito bem. Acho que tive sorte de vir de onde venho. É uma coisa do destino, não é uma coisa que a gente escolha.

 

 

Como é que liga as histórias ao trabalho do psicanalista, se é que faz alguma ligação?

Acho que sim, acho que as histórias, as histórias das pessoas e a vida das pessoas sempre foi a minha maior curiosidade. ​Toda a análise é uma narrativa, é uma história, uma história que se vai organizando, de maneiras que nem sempre prevemos, nem sobre nós próprios. ​ Portanto acho que isso de ser psicanalista está um bocadinho ligado a ler, ouvir histórias. Por exemplo, adoro entrevistas, gosto imenso de ler tudo o que aparece em entrevista, continuo a adorar entrevistas sobre pessoas, interessa-me. Sempre tive uma enorme curiosidade porque é que há pessoas que escrevem e porque é que há pessoas que lêem, há pessoas que são escritoras, outras são artistas, é tudo muito interessante e acho que as pessoas são do mais interessante que existe à face da terra.

 

Na sua opinião o que é que nos torna humanos, qual é a nossa condição?

A nossa condição é o encontro com o outro, não há outra maneira de sermos humanos, quer dizer, sem o outro nós não existimos. Até o Robinson Crusoe precisou de encontrar o Sexta-feira. Nós somos um animal que tem uma espécie de pulsão, pulsão à comunicação.

A comunicação tem mudado muito nos últimos anos com o aparecimento das novas tecnologias. Sente que hoje comunica-se de forma diferente?

Para mim a comunicação faz-se sempre de pessoa a pessoa. Eu nunca fiz uma análise por Skype, se há colegas que o conseguem fantástico, mas eu tenho uma concepção do espaço analítico, tão ..., não sei, talvez um pouco romanceado e idealizado. Nem sempre funciona assim, mas acho que há um clima de mistério, de intimidade que é difícil de evocar através de um meio como o Skype. Mas considero que o sistema de videoconferência pode funcionar muito bem em psicoterapias, em supervisões.

Quando falamos sobre isso, a diferença mais óbvia é que não há corpo. O que pensa sobre a importância do corpo, a importância da presença física?

O outro é sempre um desafio, um mistério, um enigma, e para mim isto só em presença de pessoa a pessoa, só nesse espaço físico interpessoal. Qualquer observador está sempre a transformar o observado e vice-versa.

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Não digo que numa videoconferência não aconteça, mas acho muito difícil, muito difícil. Há um ambiente de intimidade que tem a ver com a relação de duas pessoas que estão realmente ali, sei lá, como provavelmente numa relação amorosa, não estou a ver uma relação amorosa por Skype mas também pode acontecer. Mas nunca é ​the real thing ​, imagino eu (risos). Há qualquer coisa em nós, um modelo primitivo, um modelo existencial, um modelo ontológico, um modelo primeiro que nos vincula para o resto da vida ao outro, numa linha de grande curiosidade, de grande expectativa e também de enigma porque nunca
sabemos quem é o outro, nós próprios, estamos sempre a ser surpreendidos se estivermos atentos.

 

Foi o seu interesse pelas pessoas que a levou até à psicanálise?

A psicanálise foi uma descoberta tardia na minha vida. Comecei por me licenciar em filosofia, mas sempre me faltou qualquer coisa nas filosofias. Mais tarde, por caminhos um pouco por acaso, os acasos nunca são completamente acasos porque acabamos por escolhê-los, porque os aceitamos, fui ter à psicologia da criança. Não era psicanálise, não sabia o que era psicanálise, digamos sabia vagamente, achava que era uma coisa de pessoas que não tinham nada que fazer, assim uma actividade (risos) mais ou menos luxuosa e burguesa para certo tipo de intelectuais, não tinha qualquer interesse. Portanto mais tarde faço psicologia, mas numa linha muito do desenvolvimento e da neuropsicologia e sobretudo da psicologia genética. Trabalho num hospital, num serviço de crianças durante vários anos. Quando é que encontro a psicanálise? Também foi uma coisa quase por acaso, havia um colega que tinha pedido um estágio no ​Centro ​ ​Alfred Binet ​, em Paris. Esse colega deixa o hospital e quando a bolsa vem o administrador do hospital perguntou-me se eu queria aproveitar a bolsa. E eu dou por mim no ​Alfred Binet, que é um centro de saúde mental infantil em Paris, a fazer um estágio que não tinha pedido. Todos os anos havia um tema naquele centro e naquele ano era sobre a sexualidade feminina, coisa de que nunca tinha ouvido falar. Isto hoje em dia é bizarro, não é? Eu teria vinte e muitos anos e portanto foram uns meses de grande exaltação, era uma orientação psicanalítica pura e dura e eu andava realmente com os pés fora do chão. Entretanto regresso a Portugal, estamos no pós 25 de Abril, e começo a ter um certo interesse pela psicanálise. Sei que há uma reunião de psicanalistas na Faculdade de Direito e lá fui. Foi uma cena
absolutamente surrealista! Decorria num grande anfiteatro completamente cheio, e naquele tempo, na faculdade, estava na moda a extrema esquerda, o MRPP. Em baixo estavam sentados todos os psicanalistas que existiam naquela época, era o João dos Santos, o Casimiro, o Alvim, já não me lembro mais quem, mas eram assim os 5 magníficos, e todo o público a cair em cima deles, que era preciso acabar com essa raça burguesa, que eles faziam não sei o quê!
Eu estava pasmada a olhar para aquilo e só havia um tipo, claro que os outros estavam como que paralisados, mas havia um fulano com um ar um bocado bizarro, um bocado extravagante, parecia um artista ​fané de la Place du Tetre ,como eu costumava dizer, com uns suspensórios com umas frutas e um cola e ele só se ria, ria-se imenso, depois pediu para falar e apenas contou a história da galinha dos ovos de ouro. Foi fantástico, o pessoal ficou todo calado e achei que aquele homem era absolutamente fantástico, que tinha uma grande coragem, um grande humor e uma grande inteligência. Perguntei para o lado: “ Como se chama este tipo?”, Francisco Alvim, então pensei: se eu um dia fizer psicanálise vou fazer com ele. Uns meses depois, era o pós 25 de Abril, tudo a mudar muito depressa, eu própria também estava numa crise existencial e sentimental, resolvi fazer uma análise. Toda a gente naquela altura fazia grupos, era mais fácil, mais barato e estava muito na moda. Tentei situar aquele senhor Alvim e fui falar-lhe. Ele aceitou-me, disse-me para esperar uns meses, achei muito estranho ter de esperar uns meses, eu estava completamente fora do registo, trabalhava no Hospital de Alcoitão, estava fora dos meios. Comecei assim a minha análise.

 

 

Considero que fiz uma belíssima escolha, fizemos, que isto de uma análise é uma escolha mútua. Foi um grande encontro na minha vida, era um analista com uma grande intuição, um homem muito autêntico, que é uma coisa que admiro e acho indispensável num psicanalista. Nunca precisei de saber coisas dele, hoje em dia sabe-se tudo, vai-se à Internet, mas nós só conhecemos as pessoas pela maneira como elas se relacionam connosco. Continuo a falar com ele, às vezes durante os anos a seguir à minha análise e sobretudo quando vou a conduzir, que é quando eu faço muito auto-análise, revia sonhos e outras coisas e pensava, ele podia ter-me dito isto ou aquilo. Ele era um analista mais silencioso, às vezes irritava-me, “então eu faço o trabalho todo, como é que é?” Durante aqueles anos de análise, nunca me passou pela cabeça a ideia de ser psicanalista. A ideia de o ser foi o meu próprio psicanalista que um dia me perguntou: “Nunca pensou em fazer uma formação?” E eu “Formação?”, Gostava de estar num hospital, em equipas, andar para trás e para diante, em movimento, agora estar uma tarde inteira fechada numa sala, entra um sai outro (risos), mas a ideia começou tipo “bichinho da madeira” e realmente acabei por me apresentar à Sociedade de Psicanálise, onde aterrei como uma ET, porque não conhecia rigorosamente ninguém, não conhecia os meios e estava fora da própria preparação, digamos, teórica, os meus interesses em psicologia estavam muito ligados a outro tipo de orientação.

O que mantém alguém numa análise onde o analista é tão silencioso?

(risos) Quer dizer ele era silencioso mas tinha intuições de flash. Era um homem que estava muito em contacto com a sua intuição, lembro-me de interpretações que ficaram históricas para mim. Pessoalmente acho que é bom o psicanalista falar, senão a pessoa fica num certo abandono. Eu, por exemplo, acusava-o, entre aspas,que durante a minha
análise, estava a passar pela mesma coisa que tinha passado com o meu próprio pai. O meu pai era uma pessoa muito silenciosa, com quem nunca cheguei a conversar, mas que eu imaginava que teria muitas coisas para me dizer, portanto
isso foi qualquer coisa que durante a minha análise foi dolorosa.
Agora, ao mesmo tempo estimulou-me uma enorme atenção a tudo, percebe? Eu adoro sonhar e sentia que ele tinha uma grande atenção aos sonhos. Tinha qualidades que num psicanalista são importantes, uma atenção, uma delicadeza, um enorme respeito, uma fidelidade ao quadro, quer dizer não havia atrasos,trocas, faltas, enfim.

Hoje confunde-se a comunicação com o saber coisas do outro. Uma relação analítica é um encontro entre duas pessoas e eu conheço verdadeiramente o outro nessa relação, mesmo não sabendo nada da vida dessa pessoa.

Completamente! Conheço o outro através da maneira como ele se relaciona comigo. Enfim, com a idade, com os anos de profissão que já tenho, às vezes encontro pessoas que fizeram análises comigo e, curiosamente, sou capaz de me lembrar de sonhos dessa pessoa, mas por vezes não me lembro de pormenores da vida da pessoa, disso, da historiazinha, percebe? Porque há qualquer coisa que transcende a factualidade. Eu estou convencida que conheci
o meu analista, pela maneira como ele estava, como ele se relacionava. Aconteceu-me o mesmo com outras pessoas ao longo da minha vida. Por exemplo, o Meltzer com quem fiz supervisão durante 14 anos, ia para lá quase todos os meses no fim-de-semana, e não soube coisas da vida dele, era uma
pessoa que nos meios dizia-se que era irascível, com um péssimo feitio, ora eu sempre achei que era uma pessoa de uma doçura, de uma delicadeza, de um cuidado.

É muito engraçado o que está a dizer, como o mesmo analista pode ser vivido de diferentes maneiras por diferentes pessoas. Como o Meltzer, para si era uma pessoa extremamente doce e cuidadosa, mas, para outras pessoas, era alguém difícil.

A propósito disso, uma vez perguntei-lhe, porque ele fez uma análise com a Klein, “Então como era a Mrs. Klein?” E ele disse: ”Oh sweet, sweet, very sweet, very sweet ( risos), mas,  que eu não a conheci”. Não a conheceu fora da relação analítica porque a Melanie Klein era considerada uma “adorável carniceira”, não é? As histórias institucionais dela são de bradar aos céus, enfim, a filha nem quis receber a herança dela, desapareceu na América, e as suas coisas foram distribuídas pelos seus analisandos e colegas.

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Qual é o lugar da análise hoje?

Não participo muito de um clima geral de que é quase o fim da análise, a grande crise da análise, eu não participo de todo nisso. Quando comecei éramos uma espécie de aldeia de gauleses e toda a gente se conhecia. Agora não só a Sociedade de Psicanálise cresceu como há muitas Sociedades. Há Sociedades, há imensas variações, imensos grupos, e há dezenas e dezenas de analistas. Quando comecei não havia cursos de psicologia em Portugal e havia
meia dúzia de analistas em Lisboa. Agora há, como eu dizia, dezenas e dezenas de analistas, milhares de psicólogos de norte a sul do país, portanto, obviamente em termos profissionais há um mercado que se pulverizou de uma maneira absolutamente extraordinária e penso que isto vá exigir adaptações, mas a psicanálise é uma ciência, como é que hei-de de dizer, muito viva, muito activa. Uma ciência moderníssima, acho uma ciência e uma arte moderníssima, tem um século, não é? Num século tivemos o Freud, a Klein, o Meltzer, o Bion, ​and so on… Nunca se escreveu tanto como agora em psicanálise. Há montes de revistas, montes de artigos, montes de encontros, portanto é uma ciência que está muito viva. É uma ciência que se preocupa actualmente com os problemas do mundo contemporâneo. Há grupos que estudam o género, as novas famílias, as tecnologias, o envelhecimento, que é uma coisa importantíssima, portanto é uma ciência que está muito activa, mas ao mesmo tempo verificamos, pelo menos em Portugal, que a psicanálise está fora das universidades, está muito pouco exercida ou as linhas psicanalíticas estão muito pouco presentes nos serviços de saúde mental. Isto é um sinal dos tempos ou é uma mudança ou é um trânsito? Nos consultórios obviamente há menos casos de análise, mas também tem a ver com essa pulverização enorme, penso eu. O que não quer dizer que não haja qualquer coisa que tenha a ver com o ​l’air du temps, queremos tudo depressa e já, e, portanto raramente aparece uma pessoa que está disposta a entregar-se com paixão ao processo analítico, o tempo que ele durar, 3, 4 vezes por semana. Isso é uma raridade. A não ser, agora aqui um parêntesis, as pessoas que vêm para a análise com intuitos de formação.

Para quem não sabe o que é uma análise, o que poderíamos dizer da importância de a fazer, ou seja, o que é que alguém pode esperar ganhar quando faz uma análise?

Continua a ser um processo de autoconhecimento, um processo de auto-educação, um processo de aprendizagem duma certa liberdade, acho que, para mim, é capaz de ser o aspecto mais importante. Uma expansão do mundo interior, entramos em contacto com o melhor e o pior de nós. Curiosamente as pessoas têm mais medo do melhor de si próprias, uma coisa que tenho encontrado nas análises, as pessoas têm dificuldade em se apropriar daquilo que são mais elas próprias e que normalmente é sempre uma boa aposta, é onde está a maior capacidade de relação, de simbolização e de liberdade interior.


E porque é que acha que isso acontece?
Não sei, penso que tem a ver com nós crescermos todos num esforço de adaptação, e é necessário que assim seja. Nós adaptamo-nos à custa de provavelmente sacrificar coisas que potencialmente são muito ricas.

 

 

O João dos Santos dizia que a boa escola era aquela que prolongava a curiosidade da infância, penso que a boa análise é aquela que estimula a curiosidade, há uma curiosidade que vem da infância e que provavelmente vamos tendo tendência a perder, e a análise tem de ser montada sobre uma grande curiosidade e uma paixão pela vida mental. A vida mental é completamente fascinante. Recentemente vi duas entrevistas que me despertaram a atenção, uma com o Philipe Roth, o escritor, em que ele dizia que toda a vida fez análise, e dizia que“a análise fez pouco pela minha neurose mas tem feito muito pela minha criatividade”. Enfim, isto é muito curioso. Na outra semana li uma entrevista, lá está eu tenho a mania das entrevistas, uma entrevista com o Anish Kapoor, que esteve numa exposição em Serralves, em que ele diz que faz análise há 25 anos e o que é que acontece? “De vez em quando vêm-me ideias!” (risos). Se calhar não fez muito pela minha neurose de estimação mas tem feito pela minha criatividade, não é? Mas explicar isso às pessoas é difícil.

No fundo isso que a Maria do Carmo estava a dizer, a dificuldade de às vezes nos apropriarmos da nossa parte mais criativa.

 

Mais amorosa ...


Mais amorosa, mais rica, pensar qual é o nosso lugar, como o ocupamos e o que fazemos...

 

Pensar com liberdade.


De questionar...


De questionar, suportando o “não saber”.


De que temos medo? Porque é que mete tanto medo pensar?

 

Por vezes as pessoas querem muito um seguro de vida, estar sentado na vida como num sofá. O casamento é um seguro de vida, ter filhos é um seguro de vida, “vão tomar conta de nós”. A natureza humana está cheia de pânico, o que é compreensível. A dor da perda, a dor da separação. Confunde-se felicidade com prazeres sensoriais, como é que hei-de dizer, com coisas que estão ligadas aos sentidos, e perdeu-se um pouco uma noção duma certa transcendência, não estou aqui a falar de dimensão religiosa, estou eventualmente referindo um ponto de vista filosófico. Por exemplo, penso que os lutos são absolutamente normais e saudáveis, e fazem parte da vida e são indispensáveis de serem vividos. No luto é como se o sol estivesse coberto por uma nuvem escura, como diz Freud. Há pequenos lutos
que a gente quase nem dá por eles. Há um luto pelo envelhecimento, é uma experiência que ando a ter e que é importante, muito, muito, importante. Outro luto muito importante de que nunca se fala mas que está aí em algumas
depressões: o luto pela nossa condição mortal. Nós não lidamos bem com esta condição mortal. Agora, obviamente, acho que há pessoas mais vitais e há pessoas mais depressivas, sem ser patologia, é quase como ter olhos azuis ou verdes. Hoje em dia, na clínica, sou muito menos sensível à ideia de causa e consequência. Acho que a clínica tem qualquer coisa de imprevisível e que nós em princípio temos muitos recursos, a não ser em coisas violentamente traumáticas, temos muitos recursos para alterarmos o curso da nossa história. Às vezes quando as pessoas se queixam muito do pai e da mãe, tenho tendência a dizer que “não me parece que você esteja a ser melhor pai ou melhor mãe para
si própria”, não é? A pessoa tem que sair daquela birra com o destino. Isto pode provocar uma grande doença, estar a sofrer do passado que já foi, parece tão simples como isso, “já foi”. Mas há pessoas que continuam a sofrer do passado
que tem uma concretude presente. Nós podemos ser o autor do nosso destino, e até estamos em condições de termos esse privilégio, porque há pessoas que não têm esse privilégio.

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