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Orlando Fialho

Psicanalista, Lisboa

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Quem é o Orlando Fialho?

 

Quem é que eu sou? Ora bem, nestes últimos dias tenho pensado muito na minha infância e o que sou decorre da minha infância, que em vários aspectos foi muito rica. Eu vivia em Entradas.

 

Não conheço, mas lembro-me do nome da terra, é um nome muito curioso.

 

Entradas… era uma aldeia muito simpática, rural. E eu tive a vantagem de ter sido o primeiro filho de quatro. Os meus avós maternos viviam ao nosso lado, era uma casa muito grande, os meus pais viviam de um lado e os meus avós do outro. Foi rico para mim ser o primeiro neto da minha avó materna…

 

Era o menino Jesus.

 

Era o menino querido, de vez em quando ficava lá a dormir. Os meus avós maternos eram daqueles comerciantes das aldeias que vendiam tudo. E, desde muito cedo, eu ficava encantado com a loja, e com os jornais que assinavam e que vinham todos os dias pelo correio. Quando chegava o carteiro eu era a primeira pessoa a abrir os jornais.

 

Porque gostava.

 

Adorava e os meus avós eram extraordinários, permitiam isso tudo. Na escola primária era um dos meninos, nessa época, que usavam sapatos. Hoje é uma coisa absolutamente escandalosa e terrível. Mas na altura era assim, era como se fosse normal, havia umas pessoas que tinham sapatos e outras que não e eles andavam felizes na mesma e brincávamos uns com os outros. E portanto, a escola primária foi assim uma experiência também muito boa, com o professor Belmiro, que era muito amigo do meu pai.

 

Esta foi outra das riquezas da minha infância, a vida da aldeia, também dos cantes… Por exemplo, na altura da apanha do grão as mulheres iam muito cedo, às cinco, seis da manhã, e iam cantando. Eu lembro-me de acordar muitas vezes com aquelas canções típicas do Alentejo. É uma coisa curiosíssima.

 

Mais para o fim do dia, havia também os cantares dos homens, quando vinham do trabalho e iam para as tabernas. Terminavam com aquelas cantorias fabulosas, às vezes improvisavam, ao despique, e o canto era absolutamente maravilhoso.

 

Portanto, quem é que eu sou? Esta pessoa, ali metida em Entradas, com estas coisas boas todas à volta.

 

O meu pai tinha onze irmãos e a minha mãe era filha única, mas tinha muitos primos e muitos tios, dez ou doze. E todos estes tios tinham os seus montes, de produção agrícola, nos concelhos de Castro Verde (Entradas) e Santiago do Cacém.

 

Então as férias programavam-se assim: uma primeira parte era passada num dos montes dos meus tios, outra parte em Quarteira e depois a última parte era passada numas termas primitivas ao pé de Mértola, que ninguém conhece, as termas de Ribeira Maria Delgada.

 

Ainda existem?

 

Fui lá há pouco tempo, ainda existe o sítio, a fonte. Mas a fonte dava pouca água, e portanto  tinha que ser um empregado a explorá-la e a trabalhar com os clientes. Tiravam a água para um caldeirão na rua para a aquecerem ali. E depois o banho também era na rua, com uns lençóis à volta (risos), absolutamente primitivo.

 

Parece uma cena de um filme do Fellini.

 

Parece Fellini, isto é Fellini. E depois havia evidentemente só homens, as senhoras tinham que tomar banho em casa, numas banheiras em cimento.

 

Mais tarde, andei no liceu de Beja. A minha avó paterna vivia em Beja, numa casa muito grande, devia ter quarenta divisões, um quintal muito grande, uma enorme cavalariça…  O meu pai disse-me que fosse para lá e deu-me a chave. E assim, aos onze anos fui para Beja, completamente à vontade, porque a minha avó não tinha autoridade sobre mim, havia outros tios por lá, mas eu tinha total liberdade.

 

Deve ter sido uma experiência por um lado entusiasmante e por outro lado um pouco assustadora …

 

Não, não.

 

 

 

Não?!

 

Não, porque era uma libertação. Onze anos, a chave… os colegas, os amigos que também vinham de montes e aldeias, fazíamos um grupo coeso, fazíamos patifarias, coisas levadas do diabo e brincadeiras, mas senti-me logo bastante bem. Depois tinha um primo, um pouco mais velho, que morava noutro sítio, que estava para aí no quinto ano e era uma companhia muito boa, sentia-me protegido.

 

E à medida que íamos crescendo, com quinze, dezasseis anos já íamos beber uns copos. Era o que se fazia porque não se podia namorar, as raparigas estavam separadas dos rapazes, na escola a entrada dos rapazes era por um lado, a das raparigas por outro. Só podíamos conviver duas vezes durante o curso, que era no baile do 5º ou do 7º ano, e na excursão. Na excursão o convívio era fraco, o convívio era mesmo muito fraco (risos).

 

Como é que decidiu ir para medicina? Pôs outras hipóteses ou sempre foi muito clara para si esta escolha?

 

Eu era miúdo na escola primária e uma das coisas de que eu gostava era de ir ao campo para apanhar bichos, lagartos, bicharocos e investigar, abrir os animais, ver e perceber o que se passava.

 

Mas havia também um médico, onde eu ia em pequenino levar as vacinas, que me dava umas caixinhas, uns frasquinhos, e comecei a ficar encantado com a ideia de ser médico. Ser psiquiatra, é que foi uma escolha diferente, mas ser médico foi claro desde muito cedo.

 

Pensando no seu fascínio pelos bichinhos, podíamos imaginar que iria para uma especialidade diferente, por exemplo, cirurgia. Como é que foi para Psiquiatria?

 

Exacto, mudei porque na faculdade tive como professor de psiquiatria do terceiro ano o Eduardo Luís Cortesão, um homem muito inteligente. Como era grupanalista falava muito da importância da psicanálise, da grupanálise. E de tal maneira que fui fazer grupanálise com o Cruz Filipe e juntámos um grupo muito bom, onde estive um ano.

 

O Cruz Filipe dizia-nos: "Quando saírem daqui não se vão encontrar no café.” Era o que a gente fazia (risos), ele tinha o consultório ali ao pé da avenida de Roma e nós seguíamos logo para um cafezinho para conversar e combinar saídas. Transformou-se num grupo bastante curioso.

 

Porém um dia, um amigo, o Mário Casimiro, conversando comigo, sugeriu-me que fizesse uma psicanálise na Suíça. Ele tinha acabado de vir de lá, com outros, como o Francisco  Alvim e o Pedro Luzes. E então comecei a pensar nisso.

 

E havia ainda outra coisa que era a guerra, eu estava próximo de ir parar à guerra.

 

Não queria de todo?

 

Não, não iria de maneira nenhuma! E o Mário disse-me aquilo, que depois coincidiu com outra coisa: um dia há um outro amigo meu, o Jaime, mais velho, que me diz: “Esta noite vou fugir a salto para a Suíça”. Ia trabalhar para um Hospital psiquiátrico. Correu-lhe bem, conseguiu sair de Portugal.

 

Pedi-lhe que me escrevesse da Suíça a dizer se havia lugar para mim. E ele assim fez, passado algum tempo escreveu-me a dizer que o director do hospital dizia que eu podia ir, que fazia um estágio e depois via se gostava ou não. Nessa altura, o Governo suíço era contra Salazar e apoiava as pessoas que queriam ir para lá, os suíços foram impecáveis.

 

E eu fui. O hospital chamava-se Malévoz, explicaram-me depois que o significado de Malévoz vinha de “más vozes”. Era no cantão de Vaud, numa montanha escarpada.

Ainda esteve na Suíça uns anos, não esteve?

 

Praticamente dez anos.

 

E acabou por fazer uma psicanálise?

 

Fiz uma psicanálise, a partir de Malévoz ia de carro para Lausanne. Essa primeira análise foi uma experiência muito interessante.

 

Passados uns meses consegui ir para uma clínica em Vevey, era outro estilo e não era tão isolado. Vevey é uma cidade giríssima e eu estava a viver em Corsier sur Vevey, curiosamente ao lado do Chaplin, que na altura tinha comprado uma quinta e andava sempre por ali.

Portanto fiquei uns anos nessa clínica em Vevey, onde gostei de estar, até ter possibilidade de entrar no hospital universitário de Lausanne.

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Foi onde esteve os últimos anos?

 

Sim, foi onde estive os últimos anos, com o professor Muller, que era o diretor, e gostei bastante. Só que fui evoluindo e às tantas disseram-me: “Tem condições para ser diretor de serviço, mas para isso tem que se nacionalizar suiço”. A guerra ainda não tinha acabado e eu sabia que, se viesse para cá, iria para a guerra, era chamado mais dia menos dia. Estava entre a espada e a parede, mas decidi vir-me embora. E quando cheguei aqui, o que é que aconteceu?

 

Estamos a falar de que ano?  

 

Penso que estávamos em Outubro de 73. O 25 de abril aconteceu uns meses depois de eu chegar. Acontece que a PIDE estava altamente eficaz e não sei como, cheguei num dia e no dia seguinte tinha uma carta para me apresentar para ir para a guerra... Pedi à minha irmã que fosse ao ministério saber o que se passava. E ela teve uma sorte extraordinária, porque a pessoa que estava a tratar disso era um sargento que andava com uma série de cartões no bolso, que eram os cartões dos indivíduos que deviam estar a chamar. E a minha irmã, num momento genial, disse: “Desculpe lá, não se importa de passar esse cartão para o fim? Não pode ser, em vez de ir já?”... E ele passou, e após alguns meses aconteceu o 25 de Abril.

 

Portanto, aqueles primeiros meses cá foram conturbados.

 

Terríveis, terríveis. Foram muito maus, e como não tinha estado cá, não sabia das engrenagens para poder sair a salto, estava disposto a tudo, sair outra vez, mas não conhecia nada, estava absolutamente às escuras.

 

E para onde foi trabalhar?

 

Quando vim para cá, obrigaram-me a fazer várias coisas, um estágio em medicina, obstetrícia, infectocontagiosas e assim umas coisas. E depois ainda foi preciso fazer o exame, como se não me reconhecessem o que fiz lá fora, o exame de psiquiatria. Lá fui fazer.

 

A seguir trabalhei durante uns tempos no Hospital de Santa Maria, sem fazer parte do quadro, e depois fui dirigir o Instituto Costa Ferreira onde formavam professores do ensino especial.

 

Nessa altura, eu fazia ioga com o João dos Santos no Ginásio Clube Português, fazíamos ioga e depois íamos trabalhar (risos). O Santos era convidado uma vez por semana para discutir casos no Instituto Costa Ferreira que eu dirigia.

 

Entretanto, um governo qualquer acabou com  o Instituto pelo que fui trabalhar para a Saúde Escolar, onde encontrei a Fernanda Alexandre. Tive esse trabalho durante algum tempo, como Chefe de Serviço, até que consegui sair de lá e fiquei só no privado.

 

E nessa altura já fazia parte da Sociedade Portuguesa de Psicanálise?

 

Já, já, fazia parte da Sociedade já há muito tempo, porque comecei a participar muito cedo, ainda a Sociedade estava em embrião…

 

Em conjunto com Espanha.

 

Com Espanha, exacto, fazíamos umas reuniões com o Pierre Luquet, nas instalações do Auto Clube Médico Português, mas eram pouco produtivas.

 

Certa vez, em conversa com o André Green, no gabinete dele em Paris, ele disse-me o seguinte: “Vocês portugueses tiveram um azar muito grande de terem sido colonizados pelo Pierre Luquet, portanto o atraso da vossa Sociedade tem que ver com isso.”

 

 

Porque é que ele pensava assim?

 

Não tive coragem de perguntar, mas penso que ele achava o Luquet um homem do antigamente, quer dizer, não era um psicanalista moderno como o Diatkine, não era o Lebovici…

 

Portanto, na altura, a formação dos candidatos, digamos assim, era com o Pierre Luquet.

 

Sim, mas o que havia eram reuniões. Só passei a ser candidato quando fiz uma primeira entrevista com a Hanna Segal, um suíço e o Diatkine, no hotel Ritz. Fiz essa primeira entrevista para entrar e não entrei à primeira. Mandaram-me fazer mais outra entrevista, já com portugueses.

 

Era muito diferente ser candidato na altura daquilo que é hoje?

 

Acho que sim. Estou a falar de Portugal porque a experiência na Suíça era completamente diferente, era uma coisa aberta, democrática. Aqui havia uma hierarquia muito grande. Não me recordo de ter sofrido como candidato, mas tinha a ideia que o candidato era pouco considerado.

 

Não é o que se passa agora.

 

Não, não, mesmo assim acho que o candidato tem pouca voz, o candidato deveria ter oportunidades de ser mais ouvido, mais esclarecido, mais respeitado, enfim.

 

E agora falando aqui mais da psicanálise. Do seu ponto de vista quais são os benefícios que uma psicanálise pode trazer?

 

Se eu pensar na minha psicanálise, eu penso que me salvou, salvou-me no sentido de me sentir pessoa.

 

Em primeiro lugar, eu penso que uma psicanálise ajuda o ser humano a ser pessoa. Depois a psicanálise é uma experiência… quando temos uma “tarimba” de muitos anos, damos-nos conta das transformações que as pessoas vão tendo no decurso do ciclo, quando corre bem. Nem sempre corre bem, também temos que salvaguardar esse aspecto. Por falta do analista, por falta do analisando, por falta dos dois. Não podemos também idealizar que a psicanálise é uma panaceia universal, que resolve tudo, não resolve.

 

Agora quando corre bem… eu posso dar um exemplo de um caso, que é paradigmático disso e daquilo que a psicanálise pode fazer a uma pessoa. É sobre uma rapariga que me foi enviada pelo João dos Santos, com nove, dez anos, que não falava. Durante 3 anos ela não falou. Eu falava e ela ficava em silêncio. No entanto, ela não falava de voz mas falava trazendo coisas. E assim fomos conversando, ou melhor, ela através dos objetos que trazia mostrava-me o que fazia, e eu ia imaginando na minha rêverie o que é que ela fazia.

 

E depois ela começa a falar, e fomos andando, e esta rapariga, neste momento, é outra pessoa, constituiu família, é uma profissional criativa... Um trabalho muito interessante.

 

Estava a pensar, a propósito da rêverie, da importância do analista no processo.

 

Acho que é importante. Eu sempre “apostei” nesta rapariga, a rêverie também é isso, não é? O meu sonho ia sempre além daquilo que ela própria sentia, que não era capaz, que não podia fazer. Ela mostrou uma mudança grande, uma mudança importante.

 

A análise é útil, mesmo em pessoas que de alguma forma não têm a necessidade de transformação que esta mulher tinha?

 

Sim, sim. Eu penso que se todas as pessoas pudessem fazer análise não havia esta loucura que vemos no mundo atual.

E tendo em conta esse mundo atual - de eficiência, resultados, rapidez -, qual é o lugar da psicanálise no tempo presente?

 

Eu penso que a análise nunca morre, penso que não. Há várias escolas de psicanálise e há vários ramos que vingam. Agora é evidente que se vai transformando e que o mundo está muito avesso à análise. O mundo em geral, as pessoas, a forma de fazerem bem e depressa.

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E dentro da análise quais foram as áreas que o interessaram?

 

Eu sempre preferi a neurose à psicose. Também gosto dos doentes depressivos, que acho que têm condições para se trabalhar e mudar coisas e gosto dos histéricos. Os psicóticos, penso que é uma falha minha, não lido bem com a psicose, mas talvez porque também não me tenha interessado muito por isso.

 

Acabamos por nos tornar melhores naquilo que nos agrada, porque acabamos também por investir mais. Sei que é apaixonado por alguns autores em que investe em particular.

 

Não podemos investir em tudo. É como os autores, escolhemos uns e não escolhemos outros. E perdemos imensa coisa porque não podemos abarcar tudo. Quando conheci o Donald Winnicott fiquei apaixonado e fiquei mais apaixonado pelo Winnicott do que pelo Freud e pela Klein, apesar de o Freud estar sempre presente e a Klein também, mas acho que o Winnicott dá outra…

 

Amplitude.

 

Amplitude, é isso mesmo, exacto.

 

Mas também gosta muito do Ogden.

 

Sim, é assim um dos meus queridos!

 

Porque também nesse sentido é um autor que abre horizontes.

 

Abre muito os horizontes e no trabalho que tem feito, de ler Fairbairn, Freud, Klein, Winnicott, etc, ele aprofunda estes autores, ele não exclui. Se reparar, ele não exclui nada de Freud ou de Klein, consegue integrar aspectos de todos os analistas sem perder a qualidade dele, o que é extraordinário, não é?

 

E sem perder uma visão própria.

 

Tem um estilo próprio, mas não renuncia a qualquer um dos outros autores que leu. Da Anna Freud, não fala (risos).

 

Quais são as qualidades necessárias para ser analista?

 

Para se ser um analista? É preciso ser boa pessoa.

 

E gostar de pessoas?

 

Claro, porque quando se é boa pessoa gosta-se de pessoas. Portanto acho que uma das qualidades é essa. Eu penso que isso é como os médicos, sabe? Agora os que têm média de 20 é que são indicados para entrar na medicina, mas devia ser os que têm mais aptidão, maior dedicação, que são boas pessoas e que gostam de ajudar o próximo.

 

Gostam de estar em relação.

 

E de ajudar, de salvar, etc. As pessoas deviam ser escolhidas para a medicina, para a agronomia, etc, de acordo com a sua personalidade, com as suas qualidades… E aí eu penso que a psicologia poderia ajudar, que personalidade é que esta pessoa tem para medicina?

 

Como é que lida com a fragilidade do outro, com a frustração, com situações de conflito…

 

Com a sua própria história, como é que resolveu, como é que fez, como é que pensa, não é? Isso é fundamental.

 

 

Como é que uma pessoa sabe se deve fazer psicanálise ou não?

 

Em primeiro lugar, deve ter algum conhecimento do que é a psicanálise. Eu penso que quando as pessoas vêm pedir uma psicanálise, uma das perguntas que nós devemos fazer é “O que é que sabe sobre a psicanálise?”.

E como definir se a pessoa deve fazer uma psicoterapia ou uma psicanálise?

 

Em cada caso concreto o analista deve fazer essa triagem, mesmo que a pessoa venha com determinada indicação, como uma em que diziam “tem caso para fazer uma psicanálise devagarinho” (risos).

 

Mas são precisas duas, três entrevistas para nós chegarmos à conclusão de que aquela pessoa beneficia de uma psicanálise ou de uma psicoterapia, já que a psicanálise visa ir mais longe do que a psicoterapia; esta pode ser limitada no tempo, para resolver um problema pontual. Já a psicanálise é uma coisa levada do diabo, mexe, e remexe, mexe…

 

E há pessoas que não aderem, não percebem o sentido, não conseguem…

 

Não conseguem, não.

 

E qual é o conhecimento que os profissionais de saúde têm da psicanálise?

 

Para os médicos, em geral, a psicanálise é uma coisa que não existe, não é?

 

Também é um bocado responsabilidade nossa.

 

Nossa? Acho que é. Aliás, como se sabe, a Sociedade Portuguesa de Psicanálise começou só com médicos, fundada por médicos, e agora a maior parte são psicólogos, não há médicos. Eu penso que isso decorre de um mau trabalho nosso, um péssimo trabalho.

 

Antigamente havia muitos psicanalistas a trabalhar em hospitais, agora cada vez há menos. Como disse, foi para psiquiatria por causa do Eduardo Cortesão.

 

Sim, a Medicina estava cheia de psicanalistas.

 

O ISPA (antigo Instituto Superior de Psicologia Aplicada) também.

 

Acho que é um problema que também é nosso, eu penso que é. Nós deveríamos ser mais humildes e convocar aqueles que nós imaginamos que são os nossos “inimigos”, que são as pessoas que não gostam de psicanálise.

 

O que há a fazer é esta gente mais nova, como a Alexandra, tentarem fazer isto que eu estou a dizer, integrar os outros. Integrar aqueles que são supostamente “inimigos” da psicanálise; têm que ver, têm que vir até nós, mesmo que seja para dizer mal.

 

Quando digo “inimigos”, refiro-me às pessoas que são abertamente contra a psicanálise, mas também às pessoas que a desconhecem e que, às tantas, dizem mal porque não sabem o que é.

 

Era fundamental uma recuperação dos médicos para a psicanálise, fundamental! Mas para isso era preciso ir convocando os médicos hospitalares para irem aos congressos, visitar, comentar trabalhos…

 

Para isso temos que apresentar trabalhos que as pessoas entendam porque com os colegas podemos ter um determinado tipo de linguagem, mas tem que ser diferente quando estamos a falar para pessoas de outras áreas.

 

Mas é possível, é possível, a linguagem da psicanálise não pode ser o analista que fala e a gente não percebe nada.

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