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Daniel Kupermann

Psicanalista, São Paulo

 

 

Quem é o Daniel Kupermann?

 

Há uma música famosa de um cantor brasileiro, o Belchior, que já faleceu, em que ele diz: “Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes, que veio do interior”, mas não é assim tão simples. De facto, eu sou latino-americano, brasileiro, mas sou filho de emigrantes. Os meus pais eram europeus, a minha mãe polonesa e o meu pai belga, e devido à II Guerra Mundial foram para o Brasil.

 

A família do meu pai conseguiu ir antes da Guerra, foram da Bélgica para França, de França para Portugal e de Portugal para o Brasil. A minha mãe passou a guerra na Polónia, escondida na floresta. Eu só entendi direito a história dela, porque ela não sabe contar muito sobre isso, quando vi a primeira cena do filme do Tarantino “Bastardos Inglórios”.

 

Portanto, eu acho que tenho muito esse espírito europeu, esse espírito emigrante, esse espírito judaico, com uma sensibilidade muito grande para quem vivenciou o trauma, os sucessivos traumas, a emigração, a morte dos familiares, a segregação e o racismo. Sou muito marcado por isso mas, ao mesmo tempo, cresci numa família que falava português como brasileiros, pois por incrível que pareça, talvez por um mecanismo de hiperadaptação, ambos os meus pais tinham um português absolutamente brasileiro, sem sotaque nenhum. Cresci numa família de classe média alta no Rio de Janeiro, num ambiente descontraído, apesar de que um ano depois do meu nascimento o Brasil entrou numa ditadura militar, que durou até meados dos anos 80. Então na minha adolescência, no início da vida universitária, já havia um clima de abertura e a psicanálise foi muito importante nesse processo, não exatamente a psicanálise, mas alguns psicanalistas, vou falar um pouco sobre eles.

 

Eu me interessei muito pela psicanálise porque lia o “Jornal do Brasil”, que era um jornal importante no Rio de Janeiro. “O Globo” todo o mundo conhece e o “Jornal do Brasil” era mais da intelectualidade. Alguns psicanalistas, com destaque para o Hélio Pellegrino, que foi o fundador do PT, o Partido dos Trabalhadores, e para o Eduardo Mascarenhas, ambos analistas vinculados à IPA (International Psychoanalytical Association), deram início a um questionamento tanto do processo do fechamento político do país quanto das sociedades psicanalíticas. Havia uma espécie de paralelo que se fazia com a chamada crise da psicanálise,entre um ambiente repressivo político-social e um questionamento da própria psicanálise, que provocou muita abertura na psicanálise, na formação psicanalítica e no entendimento do que era ser psicanalista. Na época, eu era muito jovem e fui fazer engenharia porque era o primeiro filho, homem, melhor aluno, então fui para engenharia, o meu pai era engenheiro químico. Só que o meu interesse não estava aí.

 

Então com 18 anos parti, fui morar fora, passei um ano trabalhando num Kibutz em Israel e depois fui conhecer a Índia e o Nepal. Eu queria curar o mal-estar que a pobreza no Brasil me provocava, especialmente no Rio, havia muita gente nas ruas, muitos mendigos. Fui para a Índia para ver a verdadeira pobreza e adorei a Índia. Foi uma viagem muito transformadora, tanto o trabalho no Kibutz, uma experiência mais de saída da casa dos pais, quanto essa experiência no Oriente, muito especialmente a Índia, mas também o Nepal. Fiquei alguns meses lá e quando voltei decidi estudar psicologia, mas já interessado na psicanálise e tomei outro rumo, que é o rumo que eu sigo de certa maneira até hoje. Sempre com essa marca de uma psicanálise muito questionadora do status quo, do way of life burguês, muito provocadora e muito interessada também nas questões sociais e políticas. A clínica para mim esteve sempre muito ligada com os questionamentos políticos e com uma interface com a filosofia.

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Voltando um pouco atrás, que tipo de criança era?

 

Completamente neurótico, com muita dificuldade em assumir a sexualidade no sentido de me poder relacionar, de namorar, então muito ligado aos livros, solitário. É uma coisa que eu penso que tem a ver com uma certa estrutura familiar, sentia-me muito oprimido nas manifestações afetivas, isso durou até aos meus 18 anos. Nessa altura, saí da casa dos meus pais, com o apoio total deles, e fiz essa viagem, passei um ano fora e então as coisas ficaram diferentes. Mas certamente na minha adolescência foi um momento em que me senti vulnerável, algo próximo ao que Ferenczi chama de terrorismo do sofrimento dos adultos, então eu me protegia muito e evitava abrir-me, apresentar pessoas, namoradas…

 

Relaciona isso de alguma maneira com a questão dos traumas que a sua família viveu?

 

Não que a minha família fosse muito opressora no sentido moral, mas havia algo que de alguma forma não ajudou. Tanto que a minha saída foi uma saída que eu exigi, uma distância geográfica, e quando voltei fui morar sozinho. Na época, no Brasil, isso era muito raro. Antes dos 25 anos já morava sozinho, estudava psicologia e ganhava algum dinheiro com estágios na clínica, e para mim foi muito importante essa possibilidade. Tem a ver com questões transgeracionais importantes.

 

Estava a pensar que para um jovem adulto tão fechado a experiência no Kibutz, que é uma experiência comunitária, deve ter sido impactante.

 

Na verdade, isso começou antes porque você não vai sozinho, vai com um grupo. São programas que eram muito fortes na época. Eu tinha muito interesse pela experiência socialista, incluindo a do Kibutz, parece aliás que foi uma das experiências mais bem sucedidas ao longo do tempo, com uma duração de perto de 100 anos, já que começou no final do século XIX com os judeus da Europa Oriental que foram para a Palestina. E isso ainda durou até a queda do muro de Berlim. Agora, é curioso, porque eram núcleos socialistas dentro de um país capitalista, mas era realmente uma experiência socialista, as pessoas não tinham a propriedade. Era tudo na lógica do comum.

 

Foi quando regressei dessa viagem que procurei a psicanálise como analisando e como clínico e foi a partir daí que as coisas começaram a fazer sentido para mim.

 

O que ganha uma pessoa numa análise?

 

Na minha análise? O que eu acho que ganhei com a análise?! Primeiro, foi autorizar-me como sujeito desejante a não ter vergonha das próprias paixões. Isso é algo muito forte!  Para além disso, e eu acho que isso faz parte de qualquer análise, eu consegui entender a possibilidade de convivência entre o sofrimento, essas histórias trágicas familiares, e uma potência de alegria.

Isso interessou-me, porque na minha família, principalmente pela parte do meu pai, havia uma circulação de humor e de poliglotismo. Todos eram poliglotas e as línguas iam-se sucedendo, começavam a conversar em português, mas os meus avós falavam tanto alemão, quanto francês, quanto inglês e até flamengo. Havia ali algo que me estimulava muito, que eu achava muito interessante, eram pessoas muito cosmopolitas, viajavam anualmente para a Europa, tinham saudades da Europa e das línguas e então todo o mundo me falava em muitas línguas.

 

Como tal, na minha análise, comecei a explorar a possibilidade tanto de afirmar afetos alegres quanto de transformar as experiências difíceis em humor. Esse é um tema importante em Freud, e no Brasil ninguém falava sobre isso.

 

Ganhei igualmente essa capacidade na clínica porque no segundo ano de psicologia trabalhava com crianças autistas e psicóticas. Trabalhava com uma realidade que era muito difícil, mas eu divertia-me muito com as crianças. Trabalhei numa clínica que existe até hoje no Rio de Janeiro e foi pioneira no tratamento de crianças autistas e psicóticas pela psicanálise, porque havia outras experiências mais ligadas a terapias comportamentais.

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Havia uma influência da psicanálise, das experiências do Bruno Bettelheim e também uma influência da psicanálise lacaniana, que começava naquele momento a se interessar pelos autistas e pelos psicóticos. Então eu estudava à noite e de manhã ia para a clínica, era uma clínica-escola onde as crianças iam e eu tinha um grupo de crianças, era o que nós chamávamos de educador. O educador era alguém que, segundo o Bettelheim, dava holding para o grupo, estava lá o tempo inteiro, então eu entrava às oito horas e saía às três horas da tarde e de lá ia para a universidade. Estava ali, lidando com crianças num nível de sofrimento enorme e via que também elas tinham vida e cada uma era diferente da outra e divertimo-nos, viajávamos, havia todo um trabalho muito interessante de socialização. Então eu diria que a análise, em conjunto com essas experiências de contacto com a psicose, sobretudo infantil, foram muito significativas, levou-me a perceber a vida em qualquer modalidade de sofrimento.

 

O que é que diria a uma pessoa que quer ser analista?

 

Começamos como analisandos e essa experiência, embora nem sempre prazerosa, porque tem momentos muito difíceis, é sempre boa, no sentido de sairmos mais fortalecidos, por mais difícil que seja em alguns momentos.

 

Agora, ser psicanalista, no intuito de diariamente atender pessoas, esse esforço que nós fazemos, esse trabalho que fazemos de suspender os nossos interesses pessoais durante muitas horas, todos os dias, acompanhar as angústias dos outros, é muito esquisito, muito esquisito. Eu sei porque é que acabei enveredando por aí, mas é uma pergunta que hoje a maior parte das pessoas que vão para psicologia não fazem. Porque é que se faz psicologia? Na psicanálise questionamo-nos. Então eu diria a alguém que quer ser psicanalista que precisa de perceber se a análise se torna uma coisa tão importante na vida dela que justifique que continue a fazer isso e transmita isso como analista.

 

E o que é que faz um bom analista?

 

Um bom analista? (risos) Realmente pode convencer-se de que é isso que quer fazer e não ser necessariamente um bom analista. Bom, o que é um bom analista? Primeiro, eu diferenciaria um bom analista de alguém muito bem resolvido, eu acho o contrário. O que faz um bom analista é a perceção de uma inquietação permanente, uma outra maneira de dizer, talvez seja ter a convicção de que o que Freud chama de mal-estar é inerente, e querer habitar esse mal-estar durante a maior parte da sua vida, muitas horas por dia. Então a partir do que eu estudei, do que eu li e do que eu vivi na clínica, tenho pensado muito e nomeado isso de atitude empática, quer dizer, um bom analista é alguém que efetivamente consegue desenvolver essa capacidade. É uma questão clássica na psicanálise, se a empatia se ensina ou não, o Freud achava que não, o Ferenczi achava que sim, mas não tenho a menor dúvida que é possível desenvolver uma atitude empática em relação ao sofrimento do outro e à diferença. Assim, um bom analista é alguém que, efetivamente, não só respeita, mas tolera a diferença. Para não usar termos técnicos, é alguém que conseguiu rebaixar a sua arrogância ao limite mínimo, de não achar que sabe o que é melhor para o outro, o que é melhor para o Homem, para a humanidade. Por isso, por mais que tenha sempre tido interesse pelas questões sociais e políticas, desconfio dos analistas que têm muita certeza acerca das posições ideológicas políticas e de como as coisas devem ser e funcionar. Nesse sentido, sou mais freudiano, a psicanálise nunca está nos lugares muito consonantes com as ideologias, por exemplo, ou com o politicamente correto, que é um imperativo nos dias de hoje.

Que autores o influenciaram?

 

A minha formação foi muito atravessada pela academia e eu procurei a vida académica para me defender das instituições psicanalíticas. Logo no estágio que fiz havia a exigência de uma filiação teórica-clínica lacaniana, mas muito violenta, de uma forma que eu achava insuportável. Tinha que se falar de um certo jeito, todo o mundo falava do mesmo jeito, havia ingerências, mesmo obrigações, de fazer a supervisão com o fulano de tal. E, ao mesmo tempo, havia no Brasil uma crítica muito grande em relação à formação clássica ipeísta. Então fiquei numa encruzilhada, “entre a cruz e a caldeirinha”, como dizemos.

 

 

Decidi ir fazer o mestrado e fui para a academia, porque gostava dos académicos. A realidade é que os analistas da academia, pelo menos nos últimos 20 anos ou mais, são os melhores pensadores de psicanálise do Brasil. E isso é indiscutível, não é uma opinião, basta ver quem escreve, quem produz, quem pensa, quem cria, são todos académicos.

Na academia fui justamente pesquisar sobre a formação psicanalítica e escrevi o meu primeiro livro, “Transferências cruzadas: uma história da Psicanálise e suas Instituições”.

 

Nesse momento, fui muito influenciado pelos autores da chamada análise institucional, os franceses, e sobretudo pelo livro do François Roustang “Un destin si funeste”, que marcou muito a história da psicanálise francesa. Nessa época, a Elisabeth Roudinesco também tinha escrito “A história da psicanálise na França”. Li muito os franceses do Quatrième Groupe  e Freud, e já alguma coisa do Ferenczi. Sándor Ferenczi, apesar de ter sido de certo modo um idealizador da análise didática nos anos 1910, era um grande questionador de toda essa idéia de uma diferença entre análise didática/análise terapêutica e um grande questionador da técnica clássica, da chamada neutralidade psicanalítica. Apesar de eu achar que existe um sentido da neutralidade que é importante de ser mantido, que é o sentido ético da abstinência, isso não implica distanciamento afetivo, e essa foi a confusão.

 

Deixe ver se me esqueço de alguém… Lacan. O Lacan no Brasil é muito importante, os jovens psicólogos estudam Freud lido por Lacan. Sempre gostei muito do Lacan dos anos 50, dos trabalhos entre 1953 e 1963, ainda ligado à IPA. Após os anos 60, o Lacan criou uma Escola e foi por outro caminho.

 

Aí fiz essa pesquisa que referi, muito crítico em relação ao que seria uma formação psicanalítica, só que isso foi-me remetendo para uma espécie de impasse. Então, os analistas vão ser solitários, não podem construir uma comunidade?! Por outro lado, foi um estudo doloroso porque a crítica é sempre dolorosa, o excesso de crítica. Foi então que resolvi transformar essa pesquisa num livro e foi muito engraçado porque esse livro marcou mais a geração anterior à minha do que a dos meus colegas. Um livro onde criei algumas categorias como a transferência nômade na transmissão da psicanálise, mas também foi doloroso porque eu discuti um caso muito radical que aconteceu no Brasil, o caso Amílcar Lobo. Amílcar Lobo foi um candidato a psicanalista, médico que, por ser médico, acabou sendo de alguma maneira cooptado e participou da tortura durante o regime militar. Li tudo sobre o caso, nomeadamente o livro escrito pelo próprio Amílcar Lobo, e fui mostrando que ele era um produto da ditadura, claro, mas também da formação psicanalítica. O livro dele é triste porque ele compara a sociedade psicanalítica ao exército. Diz assim: “eu era obediente, era um bom militar e um ótimo aluno na sociedade”. No meu livro fiz toda a desconstrução desse processo, isso foi pesado.

 

Depois disto resolvi ir estudar o humor e nesse momento encontrei o Joel Birman, que era um dos maiores pensadores da psicanálise no Brasil e tinha voltado de um pós-doutorado na França, de onde trouxe o tema da sublimação. Nessa altura, fiz uma tese que se chama “Humor e sublimação em psicanálise”. Foi uma tese muito freudiana, mas de alguma maneira aproximou-me novamente do Ferenczi, no sentido de uma clínica mais descontraída, e acabou por virar um livro que se chama “Ousar rir: humor e criação na psicanálise”.

Tenho a ideia de que no Brasil a psicanálise está muito ligada à comunidade. É verdade?

 

A psicanálise no Brasil tem tido interesse em desenvolver trabalhos junto da comunidade, com instituições, a nível social, hospitais, escolas, sistema judiciário, etc. Agora eu, embora reconhecendo que sou um homem extremamente atravessado pela Universidade, considero que no Brasil o vigor da psicanálise tem mais a ver com a Universidade, muito mais do que com as instituições clássicas. Nos anos 70, durante a ditadura militar, houve uma expansão enorme da psicanálise no Brasil, as pessoas não podiam falar na vida social e iam falar nos consultórios. Os analistas naquela época não tinham hora, tinha fila de espera, não sei se viveram isto em Portugal. Então os analistas mais reconhecidos além da análise clássica, tinham grupos e mesmo para os grupos havia necessidade de esperar. Ganhavam muito dinheiro e não estudavam nada, faziam a formação, enchiam-se de pacientes e não tinham produção psicanalítica, tinham um pensamento paupérrimo. Em paralelo, a psicanálise foi entrando na Universidade, houve um homem muito importante no Brasil que foi o Luiz Alfredo Garcia-Roza.

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Adoro os livros dele.  

 

“Freud e o inconsciente” é um livro que já teve dezenas de edições.

 

Li “Freud e o inconsciente” e todos os de ficção do delegado Espinosa, uma personagem verdadeiramente deliciosa.

 

Ainda mais para mim que sou de Copacabana e o Espinosa mora em Copacabana, no bairro Peixoto, e não é por acaso que se chama Espinosa, em homenagem ao filósofo.

 

Então Garcia-Roza e outros, o Joel Birman, que era psiquiatra, psicanalista, fez a formação da IPA, mas também o doutorado em filosofia na Universidade de S. Paulo, onde eu trabalho, fizeram com que a psicanálise fosse entrando na Universidade. A Universidade funciona com um tripé que chamamos de ensino, pesquisa e extensão, pelo menos a universidade pública brasileira.

 

Quer dizer, tem o ensino, tem a pesquisa que, em geral, é a pós-graduação, mestrado e doutorado, e tem a extensão universitária que é o modo como a Universidade presta serviço para a comunidade. A extensão é importantíssima porque a Universidade pública é sustentada pelos impostos.

 

O sistema universitário brasileiro, a gente brinca dizendo que foi a única coisa que a ditadura organizou direito, está muito bem estruturado. O Brasil é um país muito grande, com uma extensão territorial enorme, e praticamente em todas as capitais dos estados existe uma universidade federal importante que gera conhecimento. Isso faz com que as pessoas, logo desde a graduação em psicologia fiquem atentas, façam estágios em comunidades. Hoje há uma série de pessoas trabalhando em laboratórios, trabalhando com a emigração, trabalhando na violência contra a mulher, que no Brasil é um problema social importante. Aliás, no Brasil não faltam problemas sociopolíticos, foi o último país a acabar com a escravidão, então existe uma herança de racismo enorme, existe uma desigualdade económica gigantesca, muita violência urbana, muita violência contra a mulher…. É um país que demanda o tempo inteiro que fiquemos atentos a problemas sociais e políticos.

 

 

O que caracteriza a clínica psicanalítica hoje?

 

Estou terminando? Tenho que pensar uma frase bonita, tratando-se de mim tem que ser uma piada (risos). Ah, isso é bom para terminar! A psicanálise é muito vigorosa no Brasil, tanto no pensamento como na clínica, portanto temos de continuar atraindo jovens talentos e pensadores. Eu trabalho em S. Paulo onde há muita procura de psicanálise, então as pessoas têm um consultório importante a partir de um certo momento da sua carreira.

 

Agora, o setting mudou muito, é muito raro pacientes que não estão num nível grande de sofrimento psíquico, de desintegração e sofrimento psíquico muito intenso, virem mais do que duas vezes. A alta frequência é cada dia mais rara. Isso eu acho importante referir porque quando falamos da mudança dos pacientes, “Ah, tem menos neuróticos e mais borderlines", curiosamente verificamos que isso vem junto com uma mudança de setting.

 

Os borderlines exigem muito do psicanalista, mas o setting também. É como se os pacientes que vêm menos exigissem um tipo de presença diferente. Escrevi um livro que se chama “Presença sensível”, é como se estivéssemos sendo convocados a uma certa presença que às vezes pode até atrapalhar a escuta, então eu acho que o analista hoje é muito exigido no sentido de conseguir modular, o que um grande amigo e um pensador magnífico da psicanálise, o Luís Cláudio Figueiredo, chama do jogo de oscilação entre a implicação e a reserva. Hoje nós temos que estar muito atentos a isso, para a implicação não virar intrusão e a reserva não virar abandono.

 

De facto, as pessoas têm trazido um nível de angústia que vai além do que se espera de uma angústia neurótica, que ajuda o tratamento, e por isso recorrem também tanto à psiquiatria. O analista, se não conseguir escutar que níveis de angústia exigem uma certa presença diferenciada, não vai favorecer a análise. Consequentemente, a formação psicanalítica precisa de começar a pensar nestas questões porque senão os analistas vão ser formados à moda antiga, como uma tribo de há quarenta anos e não é isso que eles vão encontrar na clínica.

Agora sim, como é que a gente conclui? Eu costumo dizer, continuamos na segunda-feira.

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