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Et in arcadia ego

Writer's picture: Rita AmorimRita Amorim

Updated: Nov 3, 2019

A expressão latina Et in arcadia ego abre o Livro I de Brideshead Revisited – The Sacred & Profane Memories of Captain Charles Ryder, de Evelyn Waugh. Quando a li pela primeira vez, o meu latim era incipiente (e assim permanece), por isso fixei-me na sonoridade iniciática e promissora das palavras. Ávida da promessa, não li a nota do autor que explicava, aos leitores mais atentos, o significado da frase. Assim, livre de constrangimentos, construí o meu sentido: qualquer coisa como: “cá estou eu na arcádia, cheguei!”. A arcádia seria o lugar e o tempo de todas as possibilidades, um terreno de descoberta, a juventude, a minha, a de Charles e a de Sebastian. Nada, naquele tempo e no que viria, ensombrava esse lugar onde estávamos. E assim começa o livro ou, pelo menos, começava quando o li pela primeira vez: o início auspicioso de uma amizade, os tempos da academia, as festas, as tertúlias, os encontros, o prazer das descobertas e do deslumbramento, o espanto, a vida pela frente.


Lemos os livros por camadas, com níveis de profundidade diferentes consoante as nossas possibilidades no momento da leitura, e foi a outro livro que regressei anos mais tarde, espantada com tudo aquilo que não vi. A primeira coisa que fiz, agora mais avisada, foi ler a nota do autor sobre o título inaugural escolhido para o Livro I: “também eu vivi na arcadia é a expressão latina que se emprega para lembrar a duração efémera da felicidade e o desgosto por um bem que se perdeu” ou, na versão original, “Even in Arcadia, I, Death, hold sway”. O Livro I começa com as palavras de Charles “Eu já estive aqui”, a recordar a sua primeira visita a Brideshead, há mais de 20 anos, em 1923, enquanto convidado do seu novo amigo, Sebastian Flyte, um estudante que conhecera nesse ano em Oxford. A tradução portuguesa evoca a ideia retrospectiva de uma felicidade superior perdida, gozada no passado, e inatingível desde então, mas viva na memória de quem a lembra. A versão original, mais radical, implica a existência de uma felicidade presente já ensombrada pela morte - agora é ela e não Charles que está na Arcadia - que perpassa tudo, desde o momento em que os dois amigos se conhecem. No entanto, do simbolismo perfeito da caveira, comprada aos estudantes de medicina, em repouso sob um manto de rosas e elemento central da decoração da mesa de trabalho de Charles (com a inscrição latina que dá título ao livro), passando pela descrição que Charles faz de Sebastian, “de uma beleza mágica, com a qualidade andrógina que, no esplendor da juventude, explode de vida mas declina rapidamente com a chegada dos primeiros ventos frios”, dos vislumbres da depressão e do alcoolismo de Sebastian que prenunciavam, já, o afastamento iminente dos dois amigos, à guerra e à decadência de uma Inglaterra aristocrata - todo o sentido de declínio que atravessa a história e a história que envolve a história, nada me foi acessível numa primeira leitura. Porquê? Pensei no texto de Freud, Considerações actuais sobre a Guerra e a Morte (1915), e na nossa inexorável tendência para prescindirmos da última, para a eliminarmos da vida. Durante os 20 anos que separaram as duas leituras, os mesmos que separam as duas visitas do Capitão Ryder à casa dos Marchmain, tentei silenciá-la.



Et in Arcadia ego, Giovanni Francesco Barbieri (Il Guercino), c. 1618-1622.


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